sábado, 25 de setembro de 2010

Gregor Samsa

Álbum: 55:12
Estilo: Post-rock/slowcore/shoegaze
Quando: 2006
Onde: Virginia

Quando certa manhã Lani Romée acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Ao som do chapinhar de suas asas translúcidas, cambaleou o corpo encouraçado até a escrivaninha de seu babélico quarto, acostumando-se gradualmente a respirar por reentrâncias mucosas que descansavam na linha de seu torso. Estendeu seus apêndices grotescos e cascudos, revestidos de cerdas de quitina onde outrora ostentava dedos, e suas dúzias de olhos gelatinosos vislumbraram na tela do computador o software foobar2000 v0.9.5.6 que repetia, em loop, o disco 55:12 de Gregor Samsa.

Sua mente ainda humana lembrou-se do mote da banda: "lento e triste, lento e alegre; mas nunca rápido e qualquer coisa". Encontrou conforto na autenticidade do conceito e, se ainda suportasse cordas vocais na garganta, emitiria um suspiro de satisfação. Estalou as mandíbulas a mimetizar o som minimalista do quarteto musical, a amálgama requintada de post-rock e slowcore, e lamentou não poder mais reproduzir o efeito onírico das vozes que enfeitam as belíssimas canções do disco.

Como as peças de 55:12, Lani Romée, hoje bestializado, sentiu uma labareda tremeluzente a incendiar sua alma, a atear fogo na infinita floresta azul apresentada no início da obra. Digeriu o crescimento climático de cada composição, embalado por cordas de violino e pedais aveludados, a clamar pela liberdade das correias de um estilo restritivo. E como serviçal de Dionísio, ligou os speakers do PC.

Percebeu, horrorizado pela segunda vez desde o despertar vespertino, que sua nova forma animalesca era incapaz de ouvir. Murchou em uma concha de depressão e arrastou-se como o verme que era até a janela. Seus olhos, gotas de café a refletir o sol da manhã, falharam na investida de buscar esperanças e sonhos no silêncio de um Gregor Samsa mudo. Escancarou as persianas, a encarar o eco do abismo de Antonin Artaud no asfalto quinze andares abaixo. Se ainda suportasse cordas vocais na garganta, emitiria um suspiro de satisfação.

Abriu asas e voou.




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